terça-feira, 11 de novembro de 2008

A paixão pelo rádio e pela liberdade de imprensa


Representante da Amarc no Brasil recupera rádio que motivou a perseguição do seu avô pela Conspiração Nazi no Rio Grande do Sul e pela polícia política da ditadura Vargas.
Dagmar Camargo, coordenadora política da Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) e também do Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária/RS (CONRAD), é uma daquelas pessoas incansáveis. Aos 48 anos, integra a equipe de comunicação da Dist Brasil, onde é responsável pela elaboração de projetos, construção de parcerias e captação de recursos. Dagmar é sonhadora, idealista, sensível e, como ela mesmo diz, “teimosa”, principalmente quando o tema é a comunicação no Brasil.
Esta gaúcha de Passo Fundo foi uma das criadoras da TV Comunitário do Rio de Janeiro,em 1997. Também escreveu um livro sobre a Encruzilhada Natalina e o MST, que será reeditado em 2009 pela editora MAUAD X.
Dagmar tornou-se um símbolo da luta e da resistência ao monopólio das comunicações no Brasil e no mundo. Licenciada em Psicologia, pós-graduanda em Direitos Humanos pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), Dagmar conta que a paixão pelo rádio e pelas inúmeras formas de comunicação são herança do avô, Frederico Carlos Dreher, perseguido pela Conspiração Nazi no Rio Grande do Sul e pela polícia política da ditadura Vargas.
Dagmar começou a remontar a história da sua família e recuperou o primeiro rádio receptor construído em 1929 pelo seu avô, que nasceu na Alemanha em 1887 e veio para o Brasil em 1914, onde se naturalizou. O rádio, que estava em poder do Exército, foi encontrado em um ferro-velho, em Passo Fundo, por um amigo de Dagmar, que conhecia bem o aparelho e a história da família.
O jornalista Alexandre Costa entrevistou Dagmar Camargo, que refez o percurso do rádio e remontou parte da história da família da nossa entrevistada. Do nascimento do seu avô na Alemanha até a recuperação do rádio este ano, foram mais de um século. Mais precisamente 121 anos de uma história que se mistura à vida do país e à luta que Dagmar Camargo ajuda a construir garantir na Justiça o direito das rádios comunitárias funcionarem.
Leia a entrevista:

Dist Brasil – Conta para os nossos leitores a história da tua família e deste rádio que foi recuperado recentemente.
Dagmar Camargo – Meu avô, Frederico Carlos Dreher, foi perseguido pela Conspiração Nazi no Rio Grande do Sul e pela polícia política da ditadura Vargas. Ele nasceu em 1887 e veio para o Brasil em 1914. No dia 24 de junho de 1918 meus avós se casaram. Minha avó materna se chamava Maria da Conceição, uma negra afro-brasileira. Em 1919, eles construíram sua casa em Passo Fundo/RS, onde eu nasci e que está de pé até hoje. Tiveram duas filhas: minha tia Vitória (falecida) e minha mãe Elisabeth. Apenas em 1939 é que foram exigir do meu avô o registro de estrangeiro, que era obrigatório, mesmo casado no civil. Mas, em 1941 lhe solicitaram ainda um Salvo-conduto especial.Mas as coisas se complicaram mesmo a partir de junho de 1942, quando a casa da família foi apedrejada e invadida. A oficina do meu avô, uma oficina de rádio-técnico e toda sua biblioteca sobre rádio, mecânica e eletricidade (que ficava na peça da frente de casa), foi literalmente roubada, e lhe levaram o primeiro rádio receptor que ele havia construído em 1929, alimentado com pilhas riscas.
A polícia achou que era um rádio transmissor. Meu avô foi preso, rigorosamente incomunicável, acusado injustamente de integrar a chamada 5ª coluna.
Dist Brasil – Foi uma ação violenta?
Dagmar Camargo – Sim, tanto que minha tia Vitória veio a abortar uma criança na hora, sua única filha mulher. Sem dúvida foi uma ação bárbara da polícia da época. Meu avô foi preso, rigorosamente incomunicável, e acusado injustamente de participar deste movimento.

Dist Brasil – Então o aparelho foi o principal motivo?
Dagamar Camargo – Sem dúvida. Era um rádio alimentado com pilhas riscas e a polícia achou que se tratava de um rádio transmissor.

Dist Brasil – Como se deu a recuperação do rádio?
Dagmar Camargo - Eu cresci ouvindo esta história do rádio. Mas não imaginava encontrar o aparelho, pois acreditava que o mesmo teria sido extraviada no próprio Exército. Fiquei sabendo que o Exército havia doado o aparelho para um ferro-velho, localizado na Vila Vera Cruz , justamente próximo ao Exército, em Passo Fundo. Foi vendido como sucata e quem encontrou foi um ex-vizinho da família. O nome dele é Jaime Freitague, que tornou-se radialista por influência do meu avô. Na verdade, o parelho estava na Fundação Planalto, que estava montando um museu com objetos antigos. Escrevi uma carta para a fundação explicando a situação e solicitei a devolução do aparelho, por ser um objeto de grande valor afetivo para a minha família. Porém, foi através da Igreja de Passo Fundo, com o padre Darci Domingos, que efetivamente interferiu a nosso favor.

Dist Brasil – Essa história que desde criança transita no teu meio familiar sobre o rádio e a perseguição a qual tua família foi submetida, de forma injusta vale ressaltar, acabou te influenciando de alguma forma na vida e na relação que tens com a comunicação e as rádios comunitárias hoje?
Dagmar Camargo - Creio que sim e o mais importante é a reflexão que é possível fazer a partir deste fato, uma reflexão sobre as semelhanças das condições sociais, culturais e históricas que levaram Hitler ao poder com os tempos atuais, de crise estrutural do capitalismo globalizado; da proliferação das igrejas evangélicas; seus fiéis e sua marcha para Jesus (ou para o dinheiro) que reúne quase um milhão de pessoas em São Paulo, só perdendo em número para a Parada Livre, nos levam a sérias reflexões. Segundo José Arbex Jr., em seu artigo que circulou na internet em 2006, intitulado “O jogo evangélico cresce perigosamente, com uma política de massas conduzida por aprendizes de Hitler”: “A guerra santa substitui a luta de classes, a fé ocupa o lugar da explicação. Dramático, porque o jogo evangélico expõe milhões e milhões de vidas à influência de denominações que se atiram à mais sórdida politicagem, incluindo compra e venda de votos, negociando a genuína fé dos crentes. Perigoso, porque a mensagem dos pastores é autoritária: exige total subserviência a um Deus que promete recompensa aos fiéis e castigos terríveis aos inimigos - isto é, a todos os que não rezam pela mesma cartilha. É a prática de uma política de massas que abomina a política, a interlocução, o pluralismo, que promete a execução do outro no Juízo Final. Numa palavra, é o totalitarismo. Exagero? Dificilmente. Basta participar de uma das marchas e observar os grupos de jovens "seguranças" bem disciplinados e em formação paramilitar”.
Tudo isto sem contar que o atual Papa alemão era um nazista filiado ao PNSA, além de os conflitos raciais, étnicos e religiosos da humanidade estarem ainda longe de serem resolvidos. É só verificar a guerra santa no Islã e o terrorismo em nome de Alá, ou os milhares de crianças que morrem de fome ou Aids na África com pouco ou quase nada de auxílio, ou até mesmo o movimento contra as cotas raciais no Brasil, primeiro momento de reparação aos negros desde o fim da escravidão mais de cem anos depois.
Segundo a pesquisa do ISER feita no Rio em 1996, as denominações que mais crescem - a Igreja Universal e a Assembléia de Deus - são também as que abrigam os fiéis mais pobres. Na Universal, segundo o Iser, 63% dos seguidores ganham menos de dois salários mínimos, 50% têm menos de quatro anos de escolaridade e 70% são negros e mulatos. Na Assembléia de Deus, 62% ganham até dois salários mínimos. Calcula-se que a Universal e a Assembléia tenham, hoje, algo em torno de 3 milhões de adeptos cada. O número de convertidos já é significativo o suficiente para provocar mudanças no comportamento da população. Um exemplo é a redução da taxa de natalidade, já que as famílias de evangélicos têm, em média, 25% menos filhos do que seus vizinhos pertencentes a outras religiões. Isso também contribui para o envelhecimento da população. O Rio é a capital que, segundo o IBGE, concentra o maior índice de velhos do país: 12% dos habitantes têm mais de sessenta anos.

Dist Brasil – Tu sugeres uma investigação mais profunda por parte da Polícia Federal ou do Ministério Público em relação às igrejas e os templos faraônicos?
Dagmar Camargo – Sim. Sugeri inclusive uma ação internacional de Direitos Humanos enquadrando-as pelo crime de "lesa humanidade". Exploração onde às vezes o sujeito deixa de comer e alimentar os filhos pequenos para dar à Igreja por acreditar que dando o dízimo deus irá recompensá-lo e ele sairá da miséria material. Sem perceber sequer a miséria mental em que vive e o que estão fazendo em Miami os pastores com seu dinheiro, principalmente o tal Estevam Hernandes, (hoje vigiado por Cristo e pelo FBI em Miami), presidente da Igreja Renascer em Cristo (Enriquecer em Cristo) que era o coordenador da vertente bíblica da campanha de Maluf desde 1993. Ssegundo ele, porque Maluf colocou a Marcha para Jesus no calendário de São Paulo. Ronaldo Didini, ex-braço direito de Edir Macedo (chefe da Igreja Universal do Reino de Deus), agora pastor da Assembléia de Deus Nipo-Brasileira e candidato do PPB a deputado estadual o apoio político de um pastor evangélico pode ser comprado por até 100.000 reais na época das eleições (Folha de S. Paulo, 7/6/98, página 1-17). Outra medida necessária seria acabar com o monopólio na radiodifusão e cancelar todas as concessões de radiodifusão de som e imagens concedidas a igrejas e políticos no país, respeitando assim finalmente a Constituição.

Dist Brasil – Vamos mudar um pouco o tema... Como o governo Lula tem se posicionado em relação às rádios comunitárias?
Dagmar Camargo – Infelizmente, na prática, o governo de Lula tem se posicionado de forma inversa aos movimentos populares e ao pensamento que a esquerda sempre defendeu. O governo Lula tem sido uma decepção neste sentido, pois tem mantido a política conservadora que protege o monopólio. O mesmo acontece em relação às formas como se tem conduzido os processos de concessões de veículos de rádio e TV no país, que é prejudicial à vida do país, à democracia e própria comunicação.

Dist Brasil – As entidades relacionadas às rádios comunitárias acusam o governo Lula de planejar o fim destes pequenos veículos. O que motiva essa afirmação?
Dagmar Camargo – Na verdade, o segundo o Decreto assinado pelo Lula em 2004, a partir de 2013 estarão canceladas as outorgas para serviço analógico que é o nosso, de rádios comunitárias. E isso é daqui a cinco anos. Como ninguém garantiu espaço para as comunitárias na transmissão digitalizada, pode significar a extinção, com o encerramento das transmissões analógicas.

Dist Brasil – E como tem sido a mobilização para que isso não ocorra?
Dagmar Camargo – Temos que nos mobilizar politicamente junto aos deputados para que não aprovem esse tipo de limitação, pois daí sim seria o fim das rádio comunitárias.
Espero que os apoiadores do Lula façam alguma coisa, pois essas atitudes vão refletir no governo como um todo. E mais, segundo entrevista do Ministro Hélio Costa, após cinco anos as rádios comunitárias deverão lutar outra vez pela outorga, perdendo tudo o que construíram para obter a licença, o que não é pouco sacrifício como todos sabem. Já vivemos com migalhas, oprimidos pelas rádios comerciais, Abert, MC e Anatel, e após cinco anos vir tudo por água abaixo… É difícil… Até quando vai isso no Brasil?

Dist Brasil - Na tua opinião, qual a situação da liberdade de imprensa no Brasil hoje?
Dagmar Camargo - Juridicamente estamos com o prazo de validade vencido há mais de 40 anos. Apesar de a nova Constituição contemplar a Comunicação Social, alguns artigos não foram regulamentados, ainda. Vigora e regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação a Lei Ordinária 5.250, de 9.2.1967 que não foi revogada nem atualizada. A Constituição daquele ano sombrio de 1967 foi aprovada por um Congresso Nacional mutilado pelas cassações, que confirmava Atos Institucionais e Complementares do governo militar, reflexo da conjuntura da "guerra fria" na qual se sobressaiu a "teoria da segurança nacional".

Dist Brasil – Então quer dizer que a lei atual foi criada em pleno regime militar e tinha como objetivo combater os inimigos internos rotulados de subversivos – opositores de esquerda?
Dagmar Camargo – Sim a lei que está em vigor hoje e a lei dos tempos da ditadura militar. Esta lei tem servido para enquadrar até hoje no seu Artigo 70 centenas de comunicadores comunitários. No Ministério Público Federal há um total de 1.436 companheiros respondendo a processos crime, enquadrados neste artigo até o ano de 2006, segundo dados do MPF e mais de nove mil enquadrados em inquéritos policiais (artigo 183 da LGT/1997), tramitando na Polícia Federal. O segmento das Rádios Comunitárias e sem fins de lucro, segue sendo o único a sofrer a repressão do Estado com fechamentos e apreensão de equipamentos pela Anatel e Polícia Federal e sendo chamados de "clandestinos" e piratas, pela mídia monopolista. A emenda constitucional 36 de 28/05/2002 da nova redação ao artigo 222 da constituição, para permitir a participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Foi regulamentada para contemplar os interesses do segmento empresarial.
Então o que há no Brasil é liberdade de EMPRESA e não de IMPRENSA.

Dist Brasil – E como tem sido feito o trabalho destas rádios para mudar esta realidade?
Dagmar Camargo - Os profissionais de jornalismo, sindicatos da categoria e Federação denunciam casos de violência no Brasil por parte de setores empresariais em algumas regiões e da polícia em outros. Jornalistas foram impedidos de filmar ações da polícia contra as ocupações do MST como ocorreu no dia 8 de março de 2008 quando mulheres da Via Campesina foram espancadas e presas no Rio Grande do Sul ao ocuparem área da Aracruz para denunciar que empresa estrangeira comprou terras através de "laranja" para a monocultura de eucalipto no Bioma Pampa Gaúcho. Esteve em debate o fim da exigência do diploma para jornalistas, e a criação do Conselho Nacional de Jornalismo não teve sucesso. O provedor de internet iG agiu de forma violenta, e tirou "Conversa Afiada" do ar sem aviso prévio, lacraram o computador do jornalista, profissional honrado e competente como Paulo Henrique Amorim. Fiéis de igrejas evangélicas entram com processos em massa no judiciário com base na Lei de Imprensa e de liberdade de expressão. Lei de Imprensa foi flexibilizada por Ministro do Supremo que suspendeu, em caráter liminar, parte da Lei de 1967. Os processos de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, baseados na lei, são suspensos.
No artigo 220 da Constituição Federal: "Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Uma das funções da Anatel seria fiscalizar e publicar relatório anual sobre a formação de monopólio e nunca foi feito. Já tramita ACP Nº 2002.71.00.031821-9 solicitada pelo Conrad cobrando isto.

Dist Brasil - Quais os desafios para a consolidação da liberdade de imprensa no Brasil?
Dagmar Camargo - Poderíamos avançar para um conceito mais amplo de liberdade de comunicação e Direito à Comunicação onde não sejamos apenas consumidores, mas cidadãos e produtores de informação. Acabar com a farra do coronelismo eletrônico com outorgas para políticos, se assim não for eles continuarão votando em seus próprios interesses e de seus familiares. Regulamentar e fazer cumprir a Constituição construindo a partir dela o novo marco regulatório para a comunicação que proíba o monopólio, contemple a Comunicação Social que garanta o equilíbrio entre os sistemas público, privado e estatal como está escrito lá e que respeite os acordos internacionais que o Brasil faz parte.

Dist Brasil – E com relação às leis e ao fortalecimento do Conselho Nacional de Comunicação?
Dagmar Camargo - É preciso revogar as leis anteriores que estão defasadas, fortalecer o Conselho Nacional de Comunicação com representação igualitária da sociedade civil e do segmento comunitário, além de garantir o direito de resposta em todos os meios. Também defendemos a inclusão no currículo escolar a leitura crítica da mídia, bem como a elaboração de Políticas Públicas de Comunicação Social que contemplem a democratização dos meios e invista na formação de comunicadores populares, em estúdios multimeios e inclusão do acesso á digitalização às emissoras comunitárias. Queremos a implantação dos Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação e a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação que inicie com conferências municipais e estaduais para fortalecer e ampliar o debate conscientizando a sociedade que o espectro aéreo é um bem ambiental público, da união que a concessão não é um bem vitalício, que precisa obedecer a certas normas para assim desenvolver o controle social dos meios.
por Alexandre Costa

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