terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cartola 100 Anos - A sublime intuição de gênio


Cartola (1908 - 1980) completaria 100 anos neste sábado, 11 de outubro de 2008. Se vivo fosse, o compositor de As Rosas Não Falam e O Mundo É um Moinho certamente estaria gratificado por ver sua obra irretocável sendo saudada em discos, shows e nas reportagens que pipocam a toda hora na mídia. "Longa é a Arte, tão breve a vida", já disse um outro gênio da música brasileira, Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994), na letra de sua Querida. A existência terrena de Cartola - visto acima na ilustração de João Pinheiro que abrilhanta a capa do CD Cartola para Todos, editado esta semana pela gravadora MCD - nem foi tão breve assim. Driblando as dificuldades de uma biografia guerreira, que o levou a sobreviver como guardador de carros em Ipanema (RJ) até ser redescoberto em 1956 por Sérgio Porto, o mestre viveu 72 anos e partiu no auge, quando o Brasil já cantava as suas músicas. Mas longa é mesmo a Arte - sobretudo quando feita com especial talento. E a obra de Cartola, burilada com perfeito acabamento poético e musical, é um desses casos cuja gênese não encontra explicação racional. Criado pobre, no Morro de Mangueira (RJ), berço da escola de samba carioca que ajudou a fundar, Cartola parece ter composto suas músicas pautado por uma genialidade intuitiva. Sem estudo ou formação musical formal, mínima que seja, o compositor lapidou sozinho jóias do alto quilate de Acontece, Autonomia e Cordas de Aço. A educação musical, se houve, foi a da vida do morro, escola dos bambas. Contudo, o refinamento da obra de Cartola nunca teve paralelos dentro do Morro de Mangueira. E, mesmo fora, são poucos os compositores brasileiros que conseguem lhe fazer frente. Talvez porque, como os melhores bluesmen dos Estados Unidos, Cartola sempre tenha trazido consigo um lamento e um talento espontâneo que o ligam à África-mãe. Elo com a matriz de todos os sons que ficou mais evidente quando em 1974, já aos 66 anos, Cartola obteve a chance - inexplicavelmente tardia - de gravar seu primeiro LP, iniciando então carreira fonográfica que seguiria regular até sua morte, em 30 de novembro 1980. Ao cantar suas músicas, Cartola mostrou algo de ancestral na voz rústica. Morreu pobre, provavelmente sem receber os devidos autorais por uma obra que começou a ser gravada em dezembro de 1929 - quando Francisco Alves (1898 - 1952) entrou no estúdio da extinta gravadora Odeon para fazer o registro de Que Infeliz Sorte para um disco de 78 rotações por minuto - e atingiu seu pico de registros nos anos 60 e 70. Tivesse sua existência tido menos senões, Cartola poderia ter saboreado o inverno de seu tempo com justa calmaria financeira. Contudo, a riqueza maior, inexorável, reside no fino acabamento de obra laureada com a longevidade destinada apenas ao que é eterno. E a música de Cartola - palmas para o mestre - é eterna desde sempre.

Blog Notas Musicais - Por Mauro Ferreira

Nenhum comentário: